288 288 - Severino

Meu nome é Severino,Severino de Jesus
Minha história começou lá no ano de 87
Quando minha tia Lúcia
Falou que tava abrindo umas frente de trabalho
Lá em São Paulo

Lembro como se fosse hoje
Chegando naquela cidade
Um monte de gente,
aquele rio sujo,fedorento!
Carro,prédio,o ônibus chegando na rodoviária

Deu foi é medo
Mais agora que eu tava ali
Voltar pra trás é que num dava!

Foram 4 dias e 3 noites até a capital
Na cabeça um sonho
No bolso nem um real
Busão lotado
Desce uma pa de gente
O lugar do encontro era logo ali em frente
Já na saída do busão fez um sinal da cruz
Começa a saga de Severino de Jesus
Analfabeto,um preto do nordeste
18 anos vivida no agreste
veio pra São Paulo convidado pela tia
construção civil era sua serventia
mas se precisasse topava qualquer parada
pensamento interrompido com a chegada na escada
que treta,escada rolante,metro,busão
um mundo diferente aparecia em sua frente então
prédios,buzinas,carros parados
8 e meia da manhã,tudo engarrafado
foram duas horas do Tietê à Itaquera
finalmente Severino tava na favela
um banho,almoço,descanso da viajem
amanhã começa a luta na cidade selvagem
plano voltado,tudo esquematizado
o dinheiro que ganhasse deixaria guardado
não faria igual seus primos
não gastaria com cachaça no buteco nem na padaria
a merreca que sobrasse ele mandaria
pra Sergipe,sua terra um dia voltaria
por um momento teve alegria na lembrança
o lugar onde nasceu,o seu tempo de criança
terra seca,tapioca e a mariazinha
que ele tanto encochava perto da escadinha
a tarde vai caindo e a noite se anuncia
amanha começaria toda a correria
pra frente de trabalho ele iria
qualquer trampo,qualquer salário ele aceitaria
ele sente medo
meu senhor me alivia
abençoe o meu primeiro dia

Passaram 15 dias até clariar um trampo
Numa obra ali perto da Barra Funda
Trezentos conto e uma cesta básica
Não acredito mano, essa cidade é mágica
Uns barato estranho que sua tia não entendia
Em ano de eleição vários trampo aparecia
Cinco horas da manhã começa a correria
Da volta do trampo no final do dia
A raspada do buteco da dona Maria
Na favela já chamavam ele de Bahia
Periferia é assim em qualquer lugar
Pra arruma amizade é só cola no bar
Aqui tem de tudo do norte mano,olha só
A chachaça,os conterrâneo,mulher e forró
Era só olhar pros lados era tudo igual
A molecada na rua,as roupas no varal
A convivência com as baratas e com os traficantes
Que ele nem se ligava que ali tinha bastante
Cinco rabos-de-galo já foram pro coco
Melhor saí fora mano,to ficando loco
Hoje é quinta-feira,amanhã vai ter
A lajes lá na obra pro pião encher
O tempo passava e Severino se firmava
Andava de metrô,manjava a rapaziada
O trampo lá na obra a semana inteira
O forró da Maria toda sexta-feira
E foi numa dessas que Bahia conheceu a Neuza
Morena gostosa,dançava que nem Deusa
Veio criança de recife junto com os pais
Se envolveu com um traficante que agia no Brás
Tinha carro e respeito na quebrada
Com quinze anos Neuza já se apaixonava
Se entregou pro cara e depois engravidou
De um filho que o pai a polícia matou
Numa bocada emboscado perto do metrô
Passou até na tv,todo mundo falou
Severino via tudo e num falava nada
Achava da hora o jeito que ela falava
Não tinha sotaque só a gíria da favela
Era Neuza,pode crê,a mina era aquela
terça-feira de chuva era feriado
um encontro com a Neuza tava combinado
o pagode era em Itaquera na COAB 2
o Chevette abarrotado mano,foi que foi
tava a Neuza,a Bete e mais um chegado
que ascendeu dentro do carro mesmo um baseado
Severino teve medo,fumava ou não?
A Neuza fumo e disse que era do bom
Ele fumou a maconha e ficou chapado
Agora tava ali à pampa com os aliado
Ali não existia descriminação
Ninguém tirava ele como vacilão
A noite foi da hora até de madrugada e pá
No outro dia Bahia não foi trabalhar

A sua vida com a Neuza rolava normal
O barraco montado perto do matagal
Morava só os dois e o pivete não
A avó gostava dele,que criasse então
Severino dava um trampo,chegava cansado
Transava com a Neuza,fumava um baseado
O dinheiro da família tava sendo usado
Pra maconha,pra cachaça,ávida de viciado
Não passou muito tempo pra roda da droga girar
A maconha trocada pela cocaína
Faltava dinheiro e como cheirar
Bahia tinha coleta,era só pendurar
Cinco baseado e duas gramas
Trinta reais pra próxima semana

-Segunda-feira né Bahia?
-Não,não,pode deixar,pode deixar!

Ah,o diabo mora aqui,pode acreditar

-Bahia,cadê o meu dinheiro?
-É por isso que eu vim aqui falar com você!
-Falar o quê?!
-Eu não tenho dinheiro!
-Não tem dinheiro?!Se vem falando que ia me pagar e tá
sem dinheiro?!
-É que eu não recebi ainda...
-Não recebeu?!E que que eu tenho à ver com isso?!
-Não,você num tem nada à ver com isso!
-É lógico que eu num tenho à ver com isso!
-Eu num recebi cara...
-Mano,eu quero meu dinheiro!
-Não,não,pode deixar,sexta-feira eu vou te acertar
-Hã,que?!Vai acerta o que irmão?!
-Não mano,péra,calma, eu vo acerta o dinheiro veio...
-Mano,não quero nem saber veio...


Noite de sexta-feira,tudo normal
Severino vem subindo o escadão perto do matagal
Preocupado se o seu plano ia dar certo
Não sabia se tinha armado o esquema correto
Tava enjoado disso tudo não queria mais
Tinha tomado a decisão à dois dias à traz
Caguetou a boca pro polícia amigo seu
Tava embaçado, até o trampo ele perdeu
Era só esperar o desfecho da parada
O polícia ia cola ia fecha a bocada
Tava perto do barraco pra pegar sua mina
Que esperaria com as malas perto da esquina
O esquema tava pronto, eles iam vaza
Chegaram antes das onze na rodoviária
Mais ele chega na esquina a Neuza não ta lá
O medo impede o homem de raciocinar
Severino enquadrado ali no apontamento
O dono da boca tava violento
Porrada,coronhada ele ia tomando
A morte tava bem perto do maluco chorando
Levaram Severino até seu barraco
A visão era feio,o quadro era trágico
Sua mina zuada caída no chão
Vários tiros disparados pelo Alemão
O mesmo polícia de dias atrás
Ele tinha confiado, isso era demais
O movimeto é assim,não tem limites
Mais Severino vai viver mano,acredite
Uma queima de fogos começa na quebrada
Pra avisar que a carga tava na parada
Os maluco assustado saíno tudo à milhão
Severino foi encontrado com vida no chão
Tomou um tiro nas costas e acordou no hospital
Cara-a-cara com a assistente social
Pra combinar com ele o dia da viajem
A prefeitura pagaria o preço da passagem

É,essa é minha história
E foi pela vontade de Deus
Que eu sobrevivi aquela selva maldita
Mais tem um monte de irmão,irmã
Que não conseguiram voltar não ó
Hoje eu to aqui ó,cinco meses longe das drogas
E glória a Deus por isso!
Obrigado pros irmão
Por ter me ouvido e boa noite a todos